A Irmandade: 480 anos de fé, caridade e compromisso com a vida

A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vitória carrega consigo uma trajetória de devoção à caridade e ao cuidado com os mais necessitados. Inspirada nas confrarias portuguesas do século XV e nos princípios de São Francisco de Assis, a instituição é a segunda mais antiga do Brasil, fundada em 1545 pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho, na então Vila do Espírito Santo – atual município de Vila Velha.

A bandeira das Misericórdias representa a igualdade com que Nossa Senhora acolhe a todos em seu manto, como mostra a imagem.

Inicialmente instalada em Vila Velha, a Irmandade foi transferida em 1605 para a Vila de Nossa Senhora da Vitória, onde passou a atuar na Capela da Misericórdia, no local exato onde hoje está o Palácio da Música Sônia Cabral, na Cidade Alta, ao lado do Palácio Anchieta. Em 1817, por decreto de D. João VI, foi autorizada a criação de um hospital de caridade na cidade, sob comando da Irmandade.

Vista da Capela da Misericórdia, na Vila de Nossa Senhora da Vitória, onde passou a atuar a Misericórdia do Espírito Santo. Hoje o local abriga o Palácio Sônia Cabral

A construção se efetivou em 1818, graças a doações de dois personagens chave. O primeiro é o comerciante Luiz Antônio da Silva, o “Louvado Deus”, que deixou uma doação expressiva em testamento. A segunda, D. Maria de Oliveira Subtil, proprietária da então Fazenda Campinho, que compreendia a região atual do parque Moscoso, Vila Rubim e Praça Misael Pena. O casarão sede da fazenda também foi deixado em testamento para a Irmandade. Com as doações do imóvel e da quantia em dinheiro, deu-se início ao hospital, em 1818.

Santa Casa de Vitória, no alto do morro da antiga Fazenda Campinho

As Santas Casas nasceram com a missão de praticar as “14 obras de misericórdia” — sete espirituais e sete corporais. A atuação da Irmandade capixaba seguiu esse mesmo ideal cristão de compaixão e acolhimento. As obras a serem seguidas eram:
As obras espirituais:
1-  Ensinar os ignorantes;
2- Dar bons conselhos;
3- Trazer ao bom caminho os que erram;
4- Consolar os tristes;
5- Perdoar a quem ofende;
6- Sofrer as injúrias com paciência;
7- Rogar a Deus pelos vivos e Mortos.
 
As obras corporais:
1-   Visitar os presos e libertar os cativos;
2-  Curar os enfermos;
3-  Vestir os nus;
4-  Alimentar os famintos;
5-  Dar de beber a quem tem sede;
6-  Abrigar os viajantes e os pobres;
7-  Sepultar os mortos.
 
Ao longo dos séculos, a Santa Casa cresceu e se adaptou às demandas da população capixaba. Em 1912, foi inaugurado o novo hospital no Morro da Santa Casa, com apoio do Governo do Estado e projeto do arquiteto Ramos de Azevedo. E estrutura, muito moderna para a época, contava com 8 pavilhões, incluindo capela, enfermarias, lavanderia e necrotério.

Santa Casa de Vitória no início do século XX, com a reforma recém inaugurada

Assim, mesmo diante de dificuldades, a Irmandade manteve sua vocação assistencial, acolhendo os mais pobres, os órfãos, os presos, os enfermos e os desamparados, sem distinção de credo, origem ou condição social. E com a chegada das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, em 1900, e a abertura de um orfanato em 1905, fortaleceu-se ainda mais o compromisso com a vida e a dignidade humana.
Assistência, ensino e pesquisa
Ao longo do tempo, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vitória consolidou-se como referência em assistência, ensino e inovação na saúde. Em 1968, a missão de formar profissionais comprometidos com a vida ganhou um novo capítulo com a criação da Emescam — Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória — que, posteriormente, passou a se chamar Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Desde então, a instituição tem formado milhares de médicos e outros profissionais da saúde, com cursos de graduação, pós-graduação e mestrado, contribuindo diretamente para o desenvolvimento da medicina no Espírito Santo.
Em 1996, foi criado o plano de saúde Santa Casa de Saúde, ampliando o acesso da população aos serviços da rede e fortalecendo a sustentabilidade da Irmandade. O compromisso com a qualidade e a diversificação dos serviços se expandiu também para outras áreas. Em 2012, foram inaugurados a Vitória Grand Físio, a Vitória Grand Tech e o Vitória Grand Hall, reforçando o atendimento especializado e a integração entre cuidado, tecnologia e educação.
A expansão institucional ganhou um novo fôlego em 2016, com a incorporação da extinta Associação Beneficente Pró-Matre, passando a integrar a Irmandade como Santa Casa de Vitória – Unidade Pró-Matre, referência em saúde materno-infantil no Estado. Em 2020, foi iniciada a construção do novo anexo hospitalar na Vila Rubim — a primeira grande ampliação física do complexo hospitalar em mais de um século, projetada para atender à crescente demanda e modernizar a estrutura assistencial da Santa Casa.
Em 2022, a Irmandade ultrapassou as fronteiras da capital e incorporou o antigo Hospital e Maternidade Dr. Arthur Gerhardt (HMAG), no município de Domingos Martins, que passou a se chamar Santa Casa de Vitória – Unidade Arthur Gerhardt. A chegada ao interior capixaba reafirma a vocação da Santa Casa de estar onde a população mais precisa, levando atendimento humanizado e de qualidade a cada vez mais pessoas.
E continuamos nossa história, honrando o compromisso com a missão da Santa Casa. São 480 anos de caridade, cuidado e esperança. Um legado construído a muitas mãos — e que continua sendo escrito todos os dias.

Texto elaborado com base em pesquisa do historiador Walace Bonicenha.